E a Mãe, de Que Precisa?

22.4.16
Para as recém-mães, para as futuras-mães, pais, avós, família e amigos.
Leiam com atenção e preparem mimo, apoio e carinho para as recém-mães. Bem sei que o bebé é o centro das atenções, tão lindo, tão pequenino e querido, mas a mãe, a mãe que também nasce no momento em que nasce o seu filho, essa também está a braços com um mundo novo.





Chorar quando se “devia” rir?

A tristeza das mães que acabaram de ter um filho devia ser um direito constitucional. Porque se explicam e justificam… e não é só “das hormonas”.
“Choro. Choro e só me apetece chorar. Eu sei que não devia, não tenho razões para isso. O meu bebé é saudável, correu tudo bem, tenho um marido que me ajuda e a minha mãe está sempre presente.
O obstetra disse que estava tudo a correr bem, o pediatra confirmou ainda ontem, na consulta, que o Zé está ótimo. Mas só me apetece chorar. E o pior é que, quando as lágrimas conseguem vencer-me e rolam pela minha cara, sinto um olhar de reprovação de todos. Ninguém diz nada, mas todos notam. E sei que me censuram, porque não se deve chorar quando se tem um filho querido, e lindo, e desejado. Por acaso até houve uma amiga minha, agora estou a lembrar-me, que me disse, com um tom um tudo-nada agreste: ‘Francamente, rapariga, não percebo que razões tens para chorar, tens um filho tão giro!’ e a minha tia comentou que ‘é as hormonas’.
‘São lágrimas de felicidade’, disse-me o meu pai, sempre generoso e meigo, olhando-me como se eu ainda fosse a sua filhota pré-adolescente de 12 anos que acabou de cair da bicicleta e esfolou o joelho.
Mas eu sei que não são. Sei que são lágrimas sentidas, de dor, de pena, de tristeza. Não sei porquê, estou tão contente com o nascimento do Zé, ele é querido, querido, querido, mas sinto- -me de vez em quando tão triste que já arranjei uma maneira de disfarçar – digo que preciso de ir à casa de banho e transformo-a num vale de lágrimas. Não sei o que me está a acontecer, mas isto não é normal. Se calhar, nunca deveria ter sido mãe...”
Devia. Devia, sim senhora. O que se passa consigo é normal. É mesmo muito normal. E só é pena que ninguém, entre médicos, enfermeiros, amigos, o enxame de visitas, familiares e tanta gente, lhe tenha dito que está neste momento a gerir dois processos que, afetiva e emocionalmente, têm sinais contrários. Não são “as hormonas”, não!
Um fenómeno é o nascimento do bebé, que provoca alegria – uma alegria tão intensa que pode ir até às lágrimas, uma alegria enorme. Enorme mas não “de gargalhada” – é quase uma alegria nostálgica, transcendente, uma alegria melancólica. E essa alegria enorme fá-la sentir-se culpada pelos momentos enormes de uma tristeza infinda que sente. Pois é...
É que existe o segundo processo, independente do primeiro, que tem outro sinal, mais negativo. É o fim da gravidez. Não o da gestação, mas o da gravidez.
Deixem-me perguntar: quantas vezes as grávidas fazem festas à sua barriga, sobretudo nos dois últimos meses da gravidez? Se calhar deveria perguntar quantas vezes NÃO fazem festas, porque o ato natural é fazer. Criaram com a barriga uma grande cumplicidade que não passa apenas por saber que têm um Zé lá dentro, mas porque a barriga representa o bebé – é palpável, sente-se, enquanto o bebé não é tocado, cheirado, ouvido, visto, enquanto está na barriga da mãe. Mas mais: durante a gravidez há uma mudança corporal lenta mas sustentada, atingindo tais proporções que um habitante de Saturno acharia as mulheres terráqueas seres muito bizarros, por estarem tão contentes ao ver o corpo deformar-se desta maneira. E assim passaram as semanas e a mãe do Zé deu entrada na sala de partos. 
De repente, tudo acabou. De um momento para o outro. Mesmo sabendo que seria assim e que o resultado era o Zé, a gravidez acabou. Com a agravante de saber que não irá ficar grávida todos os anos; mais, que provavelmente “ficaria por ali” e o Zé seria o único filho, como acontece com a maioria dos “Zés” que nascem em Portugal. 
A barriga deixa de fazer sentido – não se fazem mais festas, a não ser para aplicar cremes, e como não regressa ao que era nove meses atrás, faz-se tudo para que desapareça, criando um sentimento de “traição” que pode ser muito desagradável.
A mãe do Zé sentiu o fim de qualquer coisa vital, de uma realização, de algo de bom e de transcendente, de algo em que investiu muito e profundamente, e, por essa razão, esse fim deixa uma terrível amargura e momentos de inquietante nostalgia. Há que fazer um luto. E qualquer luto, até se adquirir a necessária tranquilidade, tem momentos de uma infinita tristeza e até de revolta.
É isso que se estava a passar com a mãe descrita no início desta crónica: duas coisas de sinal oposto. O conselho é que sigam os vossos sentimentos e não liguem aos comentários das visitas e daqueles que têm sempre alguma coisa para dizer (em geral, de caráter catastrofista). Riam quando vos apetece rir, chorem quando vos apetece chorar. Sem mais, sem culpas, sabendo que o choro (salvo o de contentamento) não tem a ver com os Zés, mas com o vazio que o nascimento deles deixa dentro de vós e que será progressivamente ocupado com a presença dele fora de vós. Paradoxal, não é?, mas somos mesmo assim, mamíferos com sentimentos, inteligentes mas sensíveis. Ainda bem!

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